Artigo: Dia Mundial da Água


22 mar/2018

Wilson Acácio – Professor aposentado da UFJF;  vice-presidente do CBH Caratinga; membro da Diretoria Colegiada do CBH Doce e também  membro da diretoria colegiada do FMCBH (Fórum Mineiro dos Comitês de Bacias Hidrográficas).

Nos Estados Unidos da América existe um Conselho Nacional de Inteligência que redige relatórios, alguns de segredo máximo, para ajudar e orientar o governo na formulação de políticas públicas internas e também sobre a tomada de posição em diversos assuntos internacionais. Num destes relatórios este Conselho, tendo como base   dados científicos, concluiu que o mundo está a caminho de uma séria e prolongada crise relacionada a água. Diariamente assistimos pelos meios de comunicação que em vários países, inclusive no Brasil, há secas prolongadas, nascentes e rios secando, aquíferos sendo bombeados e contaminados de forma irresponsável e preocupante –  como é o caso do Aquifero Guarani -, agitação social pela posse e uso de água, etc. No mês passado assistimos pela televisão que na cidade do Cabo (África do Sul), os seus quatro milhões de habitantes estão esperando o chamado “Dia Zero”, quando a água poderá desaparecer nas torneiras das residências e do setor produtivo que, certamente, vai constituir-se numa verdadeira “hidrocatástrofe”!

Ainda, em relação a esta   iminente crise hídrica, os dados divulgados pela   ONU são assustadores: dos 7,6 bilhões de habitantes de nosso planeta, 1 bilhão não  conta  com mais abastecimento mínimo diário (20 l); 1,6 bilhões vivem em áreas que não tem condições mínimas de captação de água;  já 2  bilhões residem em regiões onde há escassez de água. Outros dados estarrecedores: há lugares onde 66% da população, durante um mês ao ano, tem escassez de água; mais de 3,5 bilhões de pessoas, daqui a treze anos, viverão em condições de alto stress hídrico!

 Esta instabilidade em relação a água já compromete, de forma significativa, países que atualmente passam por grande crescimento, como é o caso da China e da Índia. Suas economias serão impactadas o que   poderá provocar instabilidade social e política. Mesmo a maior potência do Mundo, EUA, em seus estados localizados a oeste, a insuficiência de água já está provocando crises de proporções imagináveis na produção agrícola, gerando desemprego, abalando o abastecimento interno e aumento no preço dos produtos produzidos no campo.

Parte da crise hídrica que hoje acontece em diversos países do mundo, e o Brasil é um bom exemplo, poderia ser controlada e evitada. Em nosso país a gestão da água constitui-se em sinônimo de incúria e de incompetência administrativa, seja nas instâncias da União, dos Estados e dos municípios. É uma vergonha que na nona economia mundial, 45% de toda a população não recebe qualquer tipo de tratamento de esgoto, aumentando os índices de poluição, contaminação dos rios, dos lagos e dos  mananciais de abastecimento humano, com reflexos imediatos nas condições de saúde. Este passivo obrigará, até o ano de 2035, a necessidade de investimentos da ordem de R$ 150 bilhões para garantir a todos acesso ao serviço de saneamento básico adequado que certamente não acontecerá.

O poder público tem que preocupar-se, sim, com as demandas da sociedade, como saúde, educação, segurança, emprego etc. mas, sobretudo com a água porque ela é um bem comum, fonte inesgotável de vida e imprescindível para a manutenção de nossos ecossistemas, dinâmicas naturais e para a existência da humanidade!

Neste dia de reflexão sobre os sérios problemas em relação a água, não podemos nos  esquecer do que aconteceu   no dia  5 de novembro  de 2015, quando houve  o pior  desastre ambiental do Brasil, com o maior vazamento de rejeitos minerais do mundo, com o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (MG). Foram mais de 40 bilhões de litros de lama   despejados em cima do Subdistrito de Bento Rodrigues, nos afluentes e também nos 650 km percorridos pelo tsunami de lama pela calha do Rio Doce, até desaguar no mar, na localidade de Regência (ES).  No último dia 12 de março, ainda  na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, aconteceu outro sério desastre ambiental,  quando  a tubulação do mineroduto Minas-Rio, da Anglo American Minério de Ferro S.A., se rompeu no município de  Santo Antônio do Grama, na Região da Zona da Mata mineira, despejando uma grande quantidade de  polpa de minério, atingindo as águas  do Ribeirão Santo Antônio, que deságua no Rio Casca que, por sua vez é afluente do Rio Piranga, um os formadores do Rio Doce. Este desastre  interrompeu a  captação e o abastecimento de água para cerca três mil e quinhentas  pessoas da cidade. Até quando estes sinistros continuarão acontecendo nesta importante e estratégica bacia hidrográfica brasileira?

Coube ao sociólogo alemão Ulrich Bech a formulação da frase “Pensar globalmente e agir localmente”. Estamos preocupados, sim, com a água na escala mundial, como ficou demonstrado através dos números acima ciados, mas neste Dia Mundial da Água é de fundamental  importância que voltemos nossa atenção para o que estamos fazendo com os   córregos, ribeirões  e rios localizados nos 83.400 km² da  Bacia Hidrográfica do Doce,  em  228 municípios (202 em Minas Gerais e 26 no Espírito Santo). A poluição e contaminação das águas dessa bacia é uma prova cabal do descaso e da irresponsabilidade dos governantes, dos empresários e também da sociedade com a água.

  Finalizando, neste dia de reflexão,  aproveito  para   fazer um apelo  para  que  nossos governantes, empresários e os diversos segmentos da  sociedade reconheçam a importância  dos comitês de bacias hidrográficas como   instrumento de  funcionamento da gestão da água e  que, diuturnamente lutam junto às  diversas instâncias  para  a preservação da água, tanto em termos quantitativo, bem como de qualitativo, não só para as atuais, mas também, para as futuras gerações!